Dom Moacyr Grechi: Equilíbrio e ordem social!


Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho
Matéria 489 - Edição de domingo – 13/09/2015

Equilíbrio e ordem social!
Nosso povo vive um momento difícil de incertezas, resignação, crise politica e agrária, fragilização das forças sociais, extermínios de jovens e indígenas, eliminação da massa sobrante. Conscientes da gravidade do momento histórico, consideramos, contudo, ser esta uma hora oportuna de fortalecimento do processo democrático, de reinvenção e reconstrução, pois “o futuro está fundamentalmente nas mãos dos povos e na sua capacidade de se organizarem” (papa Francisco). É a ética, não uma éti­ca ideologizada, que vai permitir criar “um equilíbrio e uma ordem social mais humana” (EG 57) e uma economia a serviço do bem comum.

Diante dos conflitos, a liturgia de hoje centraliza sua mensagem no seguimento de Jesus e na identidade de seus seguidores (Mc 8,27-35). A pergunta de Jesus “Quem dizem os homens que eu sou” força os discípulos a fazer uma revisão de tudo o que ele realizou no meio do povo. Sua ação messiânica consiste em criar um mundo plenamente humano, onde tudo é repartido entre todos. Esse messianismo destrói a estrutura de uma sociedade injusta, onde há ricos à custa de pobres e poderosos à custa de fracos. Por isso, essa sociedade vai matar Jesus, antes que ele a destrua (BP).

Ser discípulo de Jesus é fazer as mesmas coisas que ele fez para libertar o mundo da ganância que mata. Celebrar não é só fazer memória de suas ações libertadoras, mas atualizá-las (VP). Jesus é o Messias à maneira do Servo Sofredor de que fala o profeta Isaias (Is 50,5-9a): seu poder não é como os poderes deste mundo; é a força de Deus que vence o poder pelo amor (Konings).

Quem é esse servo sofredor hoje? O critério para discernir é a vida do povo. Todos os que lutam pela vida do povo, e por causa dessa luta correm sérios riscos, são esse servo de Javé (VP). Ser cristão é seguir Jesus pelo caminho do sofrimento. Não existe fé cristã sem via sacra; quem não é perseguido provavelmente não está trilhando os passos de Jesus. O apóstolo Tiago oferece em sua Carta exemplos do que é o caminho da cruz (Tg 2,14-18). Fé não é uma adesão meramente intelectual; é escolher o caminho da negação de si em favor do irmão. Boas intenções não são suficientes para que alguém possa se declarar cristão, mesmo que creia em todas as verdades da fé.

Na base de toda a espiritualidade cristã autêntica e viva, está a Palavra de Deus anunciada, acolhida, celebrada e meditada na Igreja (VD 121). Setembro, mês bíblico, é tempo de familiaridade com a Sagrada Escritura, de “relacionar-se com a Palavra divina”, de “nos encontrar, quer na Escritura quer na Tradição viva da Igreja, em presença da Palavra definitiva de Deus sobre o universo e a história”.

No “Prólogo do Evangelho de João todo o ser está sob o signo da Palavra; o Verbo sai do Pai e vem habitar entre os Seus e regressa ao seio do Pai para levar consigo toda a criação que nele e para Ele fora criada” (VD 121). Somos convidados a reler a Bíblia a partir dos sinais da presença de Deus na historia de seu povo: “A Palavra se fez carne e fez sua tenda no meio de nós” (Jo 1,14).

Com o tema “Discípulos e missionários a partir do Evangelho de João” e o lema “Permanecei no meu amor para dar muitos frutos” (Jo 15,8-9) vamos entender a Comunidade Joanina e a teologia da comunhão como um ponto alto da obra de João; descobrir traços de uma comunidade semelhante a nossas comunidades: de periferia, sem poder, marginalizada e excluída do sistema; de resistência, perseguida e minoritária; comunidade que se organiza sob a liderança do “discípulo amado” (CRB/Seguir Jesus).

O Evangelho de João é o livro dos “sinais” (Jo 1,19-11,54): a hora de Jesus ainda não chegou (2,4) e da “exaltação” (13,1-20,31): a hora chegou. Sinais que são uma manifestação do tempo messiânico que se realizará plenamente na hora de Jesus, que é a hora do Pai. Na 2ª parte, Jesus revela o verdadeiro rosto de Deus, que é Amor e sua missão é levada até o fim como obra de amor: “sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Unido ao Pai, assume livremente esta “hora” de entrega da própria vida (Jo 15,13). A hora de Jesus é a hora da sua morte-glorificação, para que “todos tenham vida em abundancia” (Jo 10,10).

Amanhã, Festa da Exaltação da Santa Cruz (14/09): a Cruz é exaltada porque nela se revela ao máximo o amor de Deus pela humanidade. É o que nos recorda São João: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).

A Cruz de Cristo é gloriosa, por causa do amor que O levou a participar do nosso sofrimento e a tomar o lugar de todos os que punimos, perseguimos e eliminamos da comunidade dos homens (M. Domergue). Para o papa Francisco, a Cruz de Jesus exprime toda a força negativa do mal e toda a mansidão onipotente da misericórdia de Deus. No Calvário, quantos o escarneciam dizendo: “se és Filho de Deus desce da cruz”. Precisamente porque era o Filho de Deus Jesus estava ali, na cruz, fiel até ao fim ao desígnio de amor do Pai. Por isto Deus o “exaltou” (Fl 2,9).

Contemplemos a Cruz onde Jesus foi pregado, olhando nela o sinal do amor infinito de Deus por nós: da Cruz brota a misericórdia do Pai que abraça o mundo inteiro. Por meio da Cruz de Cristo o maligno é vencido, a morte é derrotada, a vida nos é doada, a esperança nos é restituída. Eis por que a Igreja “exalta” a santa Cruz; eis por que nós cristãos abençoamos com o sinal da cruz. Fazer o sinal da cruz é manifestar em nós mesmos que em nosso batismo fomos mergulhados na morte de Jesus para que com ele ressuscitemos. Celebrando a santa Cruz, fazemos memória de tantos irmãos e irmãs nossos que são perseguidos e assassinados por causa da sua fidelidade a Cristo.

No dia 15 vamos celebrar Nossa Senhora das Dores, permanecendo junto ao Calvário por dois dias seguidos; no primeiro contemplamos a cruz de Jesus, no segundo, a sua mãe junto da cruz (Jo 19,25-27). Gloriosa é a cruz; humilde e mansa é a mãe, a Virgem das dores. Maria permaneceu com firmeza ao lado da cruz, sabia que uma espada esperava por ela: Simeão tinha-lhe dito. Ela é a mãe firme que nos dá a segurança neste caminho de aprendizagem e sofrimento.

A Senhora das Dores é a “mulher livre e forte que emerge do Evangelho conscientemente orientada para o verdadeiro seguimento de Cristo. Ela viveu toda a peregrinação da fé como mãe de Cristo e depois dos discípulos, sem que fosse livrada da incompreensão e da busca constante do projeto do Pai. Dessa forma, alcançou o fato de estar ao pé da cruz em uma comunhão profunda, para entrar plenamente no mistério da Aliança” (DAp 266).

A principal inspiração mariana da Ordem dos Servos de Maria é a devoção a Nossa Senhora das Dores porque todo “servo de Maria” quer estar aos pés das infinitas cruzes da humanidade onde Cristo continua sendo crucificado. Assim viveu seus 74 anos de vida religiosa, o servo de Maria, Padre André Ficarelli, meu confrade e amigo, que faleceu no dia 3 de setembro em Rio Branco.

Per crucem ad lucem: sua Via Crucis foi semelhante à via sacra dos mais sofridos do Acre, por quem ele doou sua vida, carregando sua cruz e colocando-se aos pés das infinitas cruzes do povo da Amazônia. Unido a todos os servos de Maria, ao povo e às Comunidades, nossa homenagem e preces ao Pe. André.

Frei André era italiano e tinha 92 anos de idade; no batismo, recebeu o nome de Nicodemos. Ingressou na Ordem dos Servos de Maria ainda jovem; foi ordenado presbítero em Roma em 1948; veio para o Brasil (1950), estabelecendo-se em Rio Branco. Foi Prior Provincial (1967-1970) residindo em São Paulo; em seguida, prior e pároco no Rio (1968-1971). Como conselheiro geral permaneceu em Roma (1971-1977), retornando ao Acre em 1978, onde ficou até sua morte.

No Acre, assumiu o Vicariato da Ordem (1979-1984), foi pároco da Catedral Nossa Senhora de Nazaré e, por mais de 20 anos, Vigário Geral da Prelazia/ Diocese. Todo o trabalho que realizei só foi possível graças a sua colaboração; na coordenação organizou a pastoral, animou as lideranças frente às CEBs, Direitos Humanos, Comunicação, Liturgia, Missa ao vivo na Tevê, Caritas e Organismos sociais. Pastor, construtor e homem de visão, foi o historiador da Igreja do Acre, registrando toda a caminhada eclesial. Seu legado de fé e obras contribuiu para o engrandecimento do Estado e ao processo de desenvolvimento pastoral e social da Igreja missionaria no Acre. Dele podemos dizer: foi um seguidor de Jesus Cristo e um servo de Maria que viveu “as verdades do Evangelho com os olhos e as atitudes de Maria”.

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