Dom Moacyr Grechi: Protagonistas da cidadania de um novo Brasil !

Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho
Matéria 486 - Edição de domingo – 23/08/2015

Protagonistas da cidadania de um novo Brasil !

Nosso povo de Deus caminha hoje em Romaria como o povo de Israel em peregrinação, convicto de que “o Senhor defende a vida dos seus servos” (Sl 33/34), crendo no Deus do Êxodo, no Cristo da libertação e na força do Espírito transformador, pois este é o caminho que leva à libertação, à justiça e à vida plena.
É o Povo de Deus, em marcha de fé e de esperança, que canta: “Também sou teu povo, Senhor, e estou nesta estrada”. A 10ª Romaria da Terra e das Águas de Rondônia tem como tema: “Terra, floresta e água, dádivas de Deus para viver e conviver” e como lema: “Somos testemunhas (At 3,15) de um novo céu e uma nova terra” (Ap 21,1). Reúne católicos e evangélicos das dioceses de Porto Velho, Guajará Mirim e Ji Paraná, da Igreja Luterana (IECLB) e demais Igrejas pertencentes ao Conselho Regional das Igrejas Cristãs.
Lideranças ribeirinhas, do campo e da cidade, jovens e famílias das Comunidades Eclesiais de Base, Pastorais Sociais e Movimentos Populares, CPT, CIMI, CJP, dos diversos segmentos da sociedade e dos municípios, inclusive do Acre e sul do Amazonas, chegam em caravanas, para a Romaria de Machadinho, com inicio às 8h, na Igreja Matriz  Nossa Senhora Aparecida. Durante a caminhada serão três momentos fortes de Reflexão: Terra, Água e Floresta, até o local da celebração, confraternização, testemunhos e diversas manifestações, na cachoeira do Rio Machadinho. Região que enfrenta diversos conflitos agrários motivados pela ocupação e uso da terra no Vale do Jamari e na região de Machadinho, além de um projeto de criação da nova usina de Tabajara, e vai atingir mais de 500 famílias e a proposta de uma PCH na cachoeira do Rio Machadinho. Preocupa a situação dos ribeirinhos, indígenas e seringueiros, que tem nos rios e florestas os principais meios de produção e de vida. As duas terras indígenas que podem ser atingidas pelo projeto da Usina de Tabajara: TI Igarapé Lourdes e as TI Tenharim, além de indígenas isolados, que não poderiam ser atingidos, pois não podem nem ser consultados, podendo vir acontecer o seu desaparecimento, como já aconteceu com outras hidrelétricas.
As Romarias fortalecem os pequenos da terra, os indígenas, os sem terra, os ribeirinhos, os atingidos por barragens, os assentados, as populações quilombolas, os pequenos agricultores, os migrantes, os excluídos. Portanto, não se trata de manifestação sem sentido, muito menos de mobilização ou espetáculo aparente. As Romarias são momentos de fortes manifestações religiosas, em que fé e vida movem o povo de Deus na busca pela transformação da atual sociedade excludente para o Reino. Romaria da Terra e da Água é um espaço de mística e política na busca de soluções para os conflitos e problemas da terra e da água, bem como para os problemas de sobrevivência de outras categorias sociais. A memoria dos mártires da terra é um momento forte da  Romaria, na certeza de que “a tribulação gera a constância, a constância leva a uma virtude provada e a virtude provada desabrocha em esperança e a esperança não decepciona” (Rom 5,3-5).
     Os romeiros são pessoas de fé, pessoas da caminhada. Caminhada das lutas sociais, das pastorais populares, dos grupos de solidariedade, do compromisso com os pobres, das comunidades eclesiais de base. Caminhada de cristãos que refletem a Igreja ministerial.
O 4º domingo de agosto é dedicado à vocação laical. Cristãos leigos que são a luz do mundo e o sal da terra, que se colocam a serviço da evangelização na comunidade eclesial. Nosso reconhecimento a vocês, leigos e leigas de caminhada, comprometidos com a missão evangelizadora da Igreja. Nossas preces para que sejam protagonistas e anunciadores do evangelho de Jesus Cristo.
     Na liturgia de hoje, as palavras de Jesus provocam resistência e desistência até entre os discípulos. Muitos conservam a ideia de um Messias Rei, e não querem seguir Jesus até à morte, entendida por eles como fracasso. E não assumem a fé por medo de se comprometerem. Os apóstolos, porém, aceitam a proposta de Jesus e o reconhecem como Messias, dando-lhe sua adesão e aceitando suas exigências (BP). Também hoje devemos escolher a quem queremos servir: “a quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,60-69).
Como o povo de Deus, que diante do Dom da Terra, recordando-se de suas responsabilidades, decidiu por servir ao Senhor, a escolha entre um Deus que provou seu amor e fidelidade e deuses que devem sua “existência” aos mitos que os homens criam em redor deles (Konings). Essa opção se apresenta a nós também: optaremos por aquele que “deu a vida”, em todos os sentidos, ou pelos ídolos pelos quais tão facilmente damos nossa vida, sem deles recebermos o que prometem: sucesso, riqueza, poder (Js 24,1-2ª.15-17.18b)

     Para os seguidores de Jesus, segundo Paulo Apóstolo, o espaço da relação familiar tem de ser também o lugar onde se manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino (Ef 5,21-32).

Nós cremos e hoje, mesmo diante dos momentos de crise, queremos renovar a nossa profissão de fé e olhar o futuro com esperança.
Diante do risco de regressão aos direitos sociais no país, principalmente pelas propostas que estão em tramitação no Congresso Nacional, a Igreja, através da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB formada pelas Pastorais Sociais e Organismos, quer ser portadora de uma palavra de esperança ao povo brasileiro, neste momento conturbado que o nosso país está vivendo enviando-nos uma Mensagem frente às crises que vivemos.
     É uma crise ética, política e econômica contra as populações e os setores sociais mais fragilizados, atingindo pessoas individualmente e o conjunto da sociedade brasileira.
Para nós cristãos, nos capacita sempre crer que, embora tudo pareça difícil, há saídas.  Enfrentamos crises, sofrimentos, desilusões, cruzes que por vezes nos fazem dizer ou sentir que chegamos ao fim da linha e que não há mais solução.
Temos a certeza de que dentro de cada um de nós existe uma luz que nos impulsiona a recomeçar. Vamos sair do comodismo, do desânimo.
Não podemos ficar apenas como expectadores ou críticos descomprometidos. Sejamos protagonistas construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, sinal do Reino de Deus.
Nas últimas três décadas a Igreja Católica enfrentou grandes dificuldades. Muitos estavam sem perspectivas. Eis que com o papa Francisco surge uma nova luz, não somente para Igreja, mas, para o mundo. Estamos nos enchendo de esperança.
Acreditamos que podemos superar esse momento histórico. Todavia, nada acontece na história humana por “geração espontânea”. Temos que nos tornar protagonistas da cidadania de um novo Brasil. Entrar em ação. Enfrentar as velhas e novas corrupções, sem ódio, sem violências, sem injustiças, sem retrocessos na democracia, sem golpismos.
A pátria brasileira somos todos nós. Ninguém vai salvá-la sozinho. Por isso convocamos as organizações populares e movimentos sociais ao diálogo permanente, buscando construir as bases do “Brasil que queremos”, expressos nos documentos das Semanas Sociais Brasileiras e que culminaram nas duas Assembleias Populares que realizamos há mais de uma década.
Temos história e trajetória construídas. Vamos resistir e denunciar todas as tentativas de “acordos” que possam significar regressão nos direitos sociais da classe trabalhadora e nas conquistas históricas das três últimas décadas: redemocratização, estabilização econômica, redução da desigualdade social, geração de emprego e renda, acesso ao direito à moradia.
Como aprendemos da Encíclica Laudato Sí do Papa Francisco, não há saída para salvar o planeta, que não passe pela superação da injustiça social.
A tarefa é árdua, mas preciosa. Estamos dispostos a construí-la e convidamos a todos que queiram somar para caminharmos juntos (Comissão Episcopal Pastoral para o serviço da Caridade, da Justiça e da Paz/CNBB).

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