Exército impede titulação do território quilombola do Forte Príncipe da Beira

No círculo, a área ocupada pelo quartel militar, na beira do Rio Guaporé. 

O Exército Brasileiro, confirmou negativa a autorizar a entrada do INCRA na área do Forte Príncipe da Beira, no município de Costa Marques, Rondônia. certificada como Comunidade Quilombola pela Fundação Palmares em 19/08/2005. O INCRA tinha programado para dezembro de 2012 os estudos preliminares para realização do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território. Segundo levantamento realizado junto a comunidade pelo Projeto de Nova Cartografia Social da Amazônia, o território tradicional da mesma abrange de 20.108,8709 hectares. 

A entrada da equipe técnica do INCRA não foi autorizada pelo Exército, que assim voltava atrás da autorização dada o ano passado em reunião realizada com o Procurador da República Daniel Fontenele, do Ministério Público Federal em Ji Paraná, com a presença do Diretor de Patrimônio do Exército.

A primeira parte dos trabalhos do Incra consiste na elaboração de um estudo da área, destinado à confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território. Uma segunda etapa é a de recepção, análise e julgamento de eventuais contestações. Aprovado em definitivo esse relatório, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola.

A decisão firme do Exército de não autorizar a realização do RTID pelo INCRA na Comunidade do Forte Príncipe da Beira foi comunicada pelo General Ubiratan Poty , em reunião da Ouvidoria Agrária Nacional, presidida pelo Desembargador Gercino José da Silva Filho, em Porto Velho, o dia 24 de Julho de 2013. O tema foi tratado na citada audiência pública, a proposta da Comissão Pastoral da Terra de Rondônia (CPT RO), que denunciou o estado de abandono em que se encontram os processo de titulação territorial das comunidades quilombolas do estado de Rondônia.

Ainda o General Poty, colocou em dúvida a identidade quilombola da comunidade e afirmou que não existe mais nenhum tipo de conflito com a mesma. Fato desmentido pelo próprio técnico do INCRA de Rondônia, responsável pela área quilombola, que recentemente visitou o lugar, pois a comunidade continua enfrentando dificuldades para reformar as casas e para realização de roças no local, assim como outras atividades, como para o acompanhamento de visitas turísticas a fortaleza histórica do Forte.

O Real Forte Príncipe da Beira foi construída pelos portugueses em 1774, sendo o principal monumento histórico do estado de Rondônia. Está situado na beira do Rio Guaporé, na divisa entre o Brasil e a Bolívia.
Em março de 2011 a escola da comunidade chegou a suspender atividades letivas por conflito entre os professores e o comandante do 2º Pelotão Especial de Infantaria de Selva Destacado do Forte Príncipe da Beira.

Segundo o General Poty, o Exército fez proposta para a comunidade de apenas um Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) não onerosa, alegando tratar-se duma área de fronteira, que pertence ao Patrimônio da União. 

Diversa autoridades presentes na reunião destacaram que não corresponde ao Exército o reconhecimento ou não duma comunidade como remanescente de quilombolas, mas a Fundação Palmares.

O representante do Ministério Público Federal na reunião da Ouvidoria Agrária Nacional, procurador Rafael Luis Pereira Bevilaqua já anunciou que permanecendo a negativa do Exército, deverá aconselhar ao Procurador de Ji Paraná responsável pela área, recomendando que o MPF procurar as medidas judiciais cabíveis para o cumprimento da lei, e que o INCRA possa realizar o TRID na Comunidade Quilombola do Forte Príncipe da Beira. 

Segundo o INCRA o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A partir do Decreto 4883/03 ficou transferida do Ministério da Cultura para o Incra a competência para a delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como a determinação de suas demarcações e titulações.

Conforme o artigo 2º do Decreto 4887/2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.

Segundo o pesquisador Emanuel Farias de Almeida Junior, do Projeto de Nova Cartografia Social da Amazônia, em artigo de 06 de Fevereiro de 2013, (Territórios quilombolas em linhas de fronteira: quilombolas do Forte Príncipe da Beira - Emmanuel de Almeida Farias Jr "A movimentação militar, a perseguição aos quilombos e o abandono da região pelos chamados bandeirantes” devidos à decadência das minas, ocasionaram o espraiamento do domínio negro no Vale do Guaporé. Pode‑se dizer que chegaram mesmo a aquilombar áreas circunvizinhas das fortificações militares, como com a notícia de que nas proximidades do Forte Príncipe da Beira, havia quilombos e quilombolas, em 1778 foram trazidos a Vila Bela, alguns índios encontrados em um quilombo no distrito do referido forte". 

Mapa elaborada pelo Projeto de Nova Cartografia Social da Amazaônia com a associação quilombola do Forte Príncipe da Beira ASQFORTE.


Em oficina realizada junto a comunidade do Forte mPríncipe da Beira em Outubro de 2012, segundo o pesquisador: " Durante a oficina de mapas, os quilombolas procederam à elaboração de croquis com a indicação de suas terras tradicionalmente ocupadas. A área pretendida pela Comunidade Quilombola do Forte Príncipe da Beira abrange a extensão de 20.108.8709 hectares. Tal reivindicação territorial refere‑se aos antigos sítios e colocações de seringa, áreas de roçado, pesca, entre outros sítios históricos. Como o próprio local da antiga Fortaleza de Conceição e o Forte Príncipe da Beira. Ambos, considerados patrimônios da comunidade. Desta forma, foi possível a confecção do mapa situacional referido ao território quilombola do Forte Príncipe da Beira" . 

Ainda no citado artigo, o pesquisador cita numerosos problemas que sofrem os quilombolas da comunidade em relação com o Exército Brasileiro: * Na reunião realizada no dia 13 de outubro de 2012, fomos informados que as unidades familiares têm sido impedidas de praticarem as atividades agrícolas. Em 2008, os srs. Antonio e Raimundo foram presos por estarem fazendo roça. Em 2009, a partir de um acordo com a Emater, a Asqforte solicitou um trator para arar a terra, evitando queimá‑la; no entanto o referido trator foi apreendido pelo Exército (Reunião realizada na Comunidade Quilombola do Forte Príncipe da Beira no dia 13 de outubro de 2010). * Na reunião realizada no dia 13 de outubro de 2012, fomos informados que a atividade de pesca tem sido exercida sob o rígido controle do Exército, que institui normas próprias de fiscalização, inclusive sobre o pescado obtido para consumo. O Exército pressiona os pescadores a passarem no Pelotão para avisarem que estão indo pescar, o que levam, para onde vão e quando vão voltar. O Exército tem proibido o embarque e desembarque utilizando veículos no porto utilizado pelas famílias quilombolas. Em 2006, os militares entraram na casa de um pescador e retiraram o peixe de dentro do freezer, prenderam o pescador e o levaram para o Ibama. Em 2007 aconteceram mais três casos semelhantes (Reunião realizada na Comunidade Quilombola o Forte Príncipe da Beira, no dia 13 de outubro de 2010). Comunidade Quilombola do Real Forte Príncipe da Beira Costa Marques – Rondônia"


Josep Iborra Plans, agente da CPT RO e do Projeto de Articulação da Amazônia.

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