O que está acontecendo na terra em Rondônia?


Em análises da situação fundiária do estado, a matéria reflete sobre a situação atual de ofensiva da violência agrária no estado de Rondônia. 
Não é fácil desenhar um panorama geral do que está acontecendo aqui em Rondônia: As árvores não nos deixam ver o bosque!  Depois do período da Ditadura Militar, duma certa colonização organizada da Amazônia, entramos num período no qual a iniciativa foi deixada nas mãos privadas. Durante anos temos visto que a política agrária em Rondônia tem sido aplicação concreta da doutrina neoliberal: Segundo a qual o governo devia deixar agir o “mercado” e a função da autoridade seria atrapalhar o menos possível. Resultado na prática: A grilagem de terras e a correria para se apossar da Amazônia deixa aos mais poderosos e aos mais violentos a melhor parte. A lei do cão. E tudo parece indicar que a situação não mudou.


As comunidades tradicionais ficaram no escanteio e resultaram as mais prejudicadas: muitos dos quilombolas, indígenas, seringueiros e ribeirinhos não tem titulado o território tradicional, onde nasceram e se criaram, onde alguns moraram por séculos. Somente nos movimentos organizados, a posse da terra por parte dos pequenos agricultores tinha alguma possibilidade. Daí a organização do MST e dos acampamentos de sem terra. Ou ocupar a floresta e converter-se em desbravadores da mata, sempre indo mais longe, enfrentando a malária, a falta de estradas, de escolas, de saúde... e destruindo o meio ambiente.

O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) ficou desmantelado de pessoal e de recursos, passando a realizar apenas a primeira parte de forma eficiente: A colonização da floresta e do bioma amazônico. Para isso a conexão com o IBAMA era essencial: Para grilar as terras precisava derrubar a mata, e depois o crime ambiental era premiado com o reconhecimento da posse da terra. Durante mais de quinze anos um amplo esquema funcionou em Rondônia neste sentido. A reforma agrária somente existia quando forçada pelos grupos de sem terra. Acima o governo parecia fazer o possível para que não desse certo: Em áreas remotas, sem comunicação, sem assistência técnica, em terras em morro, fazendo vista grossa à venda de lotes, etc.

Rondônia hoje é um estado ocupado pelo latifúndio. O resultado agora está saindo a tona: Segundo o cadastro do INCRA, três quartas partes da terra dedicada a agricultura de Rondônia está nas mãos dos grandes proprietários. A maior parte dela seria improdutiva, inclusive com os índices antiquados que ainda vigoram no Brasil.

Março de 2001 esteve marcado pela revolta dos operários das Usinas do Madeira e o êxodo de milhares deles a Porto Velho.  Na perspectiva do início de Belo Monte no Rio Xingú, na CPT RO nos volcamos na preparação da 9ª Romaria da Terra e das Águas. Não em vão das 7.000 famílias envolvidas em conflitos agrários em 2010 em Rondônia, umas 5.000 era de atingidos pelas barragens do Madeira. A CPT e a Pastoral dos Migrantes têm trabalhado com o MAB neste assunto. O local escolhido para a Romaria foi a Diocese de Guajará Mirim, nas áreas dos rios Mamoré e Guaporé, integralmente prejudicadas pelas barragens de Jirau e Santo Antônio, nas cabeceiras do Rio Madeira, duplamente ameaçadas por novas barragens. A Romaria, com envolvimento dos movimentos sociais e organização das Dioceses de Rondônia, finalmente se realizou em 10 de Julho de 2011, com uns 3.000 participantes. Uma semana depois da visita de Dilma a Porto Velho, para inaugurar a primeira etapa da usina de Santo Antônio.

No começo do ano também o debate do Código Florestal pegava fogo. Em contraste com a intoxicação mediática e a vontade política dos ruralistas “representantes do povo”, uma Campanha da Fraternidade da Igreja se dedicava a pedir conversão quaresmal de nossas atitudes ecológicas, mudando nossa contribuição pessoal e coletiva ao aquecimento global que ameaça nosso planeta.

Porém não demorou para outros assuntos pedir prioridade. Logo começou uma nova ofensiva da violência agrária na região amazônica. Esta ofensiva inicia em maio com a morte de Maria do Espírito Santo e José Claudio, o casal de ambientalistas do Pará, nos mesmos dias da aprovação do Código Florestal. Tal vez para lembrar a Dilma e a todos quem manda e desmanda por aqui. Em Rondônia, em plena região de avanço da fronteira agrícola e madeireira sobre a floresta do Amazonas, a violência chegou com o assassinato do Dinho, o controvertido líder do MCC, em Vista Alegre do Abuná. A fronteira agrícola continua sendo um dos lugares por excelência onde o governo "não ajuda muito, porém tampouco atrapalha". Cada um por si e de olho nos outros. Outras mortes têm continuado no Pará e no Maranhão de forma quase continuada. Em Rondônia teve mais dois baleados em Chupinguáia e outros dois no começo de agosto em Seringueiras.

Todos os assassinados estavam citados como pessoas ameaçadas nos registros de violência da CPT. Os defensores de direitos humanos criticaram a inoperância da proteção do governo, e a Presidenta movimentou o “kit emergência” cobrando ação da ouvidoria agrária, da secretaria de direitos humanos, do ministério de justiça e dos governos estaduais de Pará, Amazonas e Rondônia. A Secretaria de Direitos Humanos levantou registro de ameaçados de morte na região. A Ministra Maria do Rosário assustou quando dissemos para ela que eram 20 os ameaçados de morte no estado: Na lista que tinha (de 2009) era só dois!

A violência agrária vira assunto da mídia nacional e internacional. Durante semanas, os meios de comunicação procuram a CPT e o registro de conflitos e de violência da pastoral da terra se converte novamente em ponto de referência para os meios de comunicação, que não cessam de nos procurar pedindo informação. Depois disso o escritório da CPT RO parece uma delegacia da polícia diante de tanta procura de novas pessoas ameaçadas, novas ameaças de despejos e de violência agrária registradas no estado. A gente não dá conta. Toda semana aparecem pequenos agricultores com problemas. Até do INCRA encaminham alguns para a assessoria jurídica da CPT.

Faz dias que a gente se pergunta: O que está acontecendo aqui? Porque muitas situações estabilizadas, se não resolvidas, de repente estouram em novos episódios de violência? O que provoca uma espiral crescente de conflitos sociais e agrários? Simplesmente, as coisas continuam como antes, igual como sempre, porém com a publicidade a CPT é mais procurada? Ou estamos diante de uma nova correria pela posse da terra? Podem ser as duas coisas.

A CPT RO elaborou um relatório de conflitos, citando mais de 90 situações de conflito agrário de Rondônia. O relatório foi distribuído para autoridades do executivo, legislativo, ministério público, justiça... Os mais atenciosos enviaram mais tarde ofício anunciando o arquivamento. O MPF RO citou algumas das pessoas ameaçadas, como o Padre Juquinha, da Comissão de Justiça e Paz, e abriu inquéritos civis públicos sobre algumas ameaças. A Secretaria de Segurança do Estado também apresentou um relatório em Brasília. O Governador de Rondônia Confúcio Moura admite que existem no estado  "27 acampamentos rurais, conflituosos”, "muitos deles há mais de dez anos sem solução" e admite que existem  "Inúmeros mandados de reintegração de posse", acrescentando: "Que terei que agir para atendimento à justiça". Se preparem todos os ameaçados de despejo!

Como sempre, a Justiça parece estar a serviço apenas dos mais fortes e prioriza a posse da terra, sem se perguntar pela propriedade, se é Terra da União, nem como a posse foi adquirida. Enquanto continua o envolvimento de poderosos nos conflitos, impunidade de atuação de pistoleiros e relato de policiais envolvidos em grilagem de terras, em intimidações e expulsões extrajudiciais de pequenos posseiros. O judiciário também parece agir sem nenhuma sensibilidade social. Estamos tentando evitar ordens de despejo por todos lados. Porém, como é que a justiça está mandando despejar até famílias assentadas pelo INCRA? Isto tem acontecido com algumas famílias do Assentamento Flor do Amazonas, em Candéias do Jamari, convertendo em interminável o conflito. Um dos assentados gravou um vídeo mostrando um trabalho de topografia ilegal grilando seu lote, protegido por capanga armado. No PA Pau d`Arco, em Porto Velho, famílias assentadas pelo INCRA sofreram ordem de despejo.

Entretanto, muitas dúvidas aparecem sobre o trabalho do INCRA, começando pela procuradoria e a retomada das terras da união. A procuradora chefe do INCRA de Porto Velho, Dra. Apercida, reconhece muitas dificuldades e apresenta pedido de aposentadoria.  Que não é aceito, esperando novos procuradores tomar experiência. A CPT - RO propõe a realização de um mutirão na procuradoria, que por enquanto não acontece.

A própria chefia da superintendência do INCRA fica sem definição por meses, na falta de Dilma decidir o segundo escalão do governo com os aliados da base governista. O assunto já parece uma novela. O INCRA de Rondônia chegou do governo Lula fatiado e dividido, entre o superintendente do PT e o vice-superintendente do PMDB.  Este segundo acusado de estar ligado a poderosos grileiros do estado. No Governo Dilma a mesma situação continua, até que o vice é denunciado, no final de agosto, de advogar a favor de fazendeiros em Vilhena contra 170 famílias de posseiros. O intento de retirada dele resulta no contrário: Em pedido de toda a bancada federal de Rondônia para que o mesmo assuma a chefia da superintendência. Seria um desastre.

Os movimentos sociais da terra de Rondônia. Justamente na região do Cone Sul, concentra grande número de pequenos agricultores em conflito pela posse da terra. Em Vilhena, na região que concentra mais avanço do agronegócio de Rondônia, alguns acham que 80% dos pequenos agricultores da região têm as posses questionadas. Lá, como a maioria de Rondônia, os posseiros e acampamentos de sem terra são de grupos independentes. Muitos deles recebem apóio e acompanhamento do sindicato dos trabalhadores rurais (Fetagro), grupo ao qual pertence o superintendente do INCRA.  Diversas lideranças têm sido gravemente ameaçadas. 

Apenas alguns acampamentos de Rondônia estão ligados ao MST, sem mais ocupações deste movimento faz uns cinco anos. No MST, em reforço com o MPA (Movimento De Pequenos Agricultores), a estratégia na Via Campesina está mais voltada à luta contra o agronegócio e contra o uso dos agrotóxicos. Ao final, o pequeno agricultor familiar é quem mais contribui na produção de alimentos para a mesa do brasileiro, adherindo à produção orgânica e agroecológica. Em Rondônia estamos trabalhando nisso e Ji Paraná tem sediado este final de agosto o congresso nacional de homeopatia. Enquanto o agronegócio somente é capaz de produzir com veneno, maltratando o meio ambiente e até alguns valendo-se de trabalho análogo a escravidão.

Os sem terra mais radicais estão ligados à Liga dos Camponeses Pobres, que procuram adotar os acampamentos espontâneos para à Revolução Agrária, apoiando diversos acampamentos de Rondônia. A Liga está em conflito com o sindicato na reocupação da terra de Santa Elina, em Corumbiara. A polícia os acusa de estar armados e serem partidários do uso da violência, especialmente na região de Buritis, Campo Novo e Jacinópolis, que é uma das regiões mais conflitivas do estado, onde à finais de 2009 foram assassinadas cruelmente duas das suas lideranças. O gerente da fazenda de Dilson Caldato, apelidado Kaleb, foi acusado dos fatos, porém ninguém foi preso.

A realidade é que os pistoleiros andam soltos e a vontade em Rondônia. Eles agem por conta, e segundo relatos, alguns até protegidos. Os mesmos que foram acusados de matar o Dinho em Vista Alegre do Abuná estavam com ordem de busca e captura fazia meses, urgida pela Ouvidoria Agrária, sem serem presos. Somente depois da morte do Dinho que as ordens foram cumpridas. Tem notícia de grupos de pistoleiros, muitas vezes ligados a roubos de bancos e tráfico de drogas, no centro do estado, em Nova Mamoré e na Ponta de Abuná, em Candéias e Jaci Paraná, no Cone Sul do estado, na BR 429, na BR 421... A região de Campo Novo e Buritis concentra maior número de homicídios sem esclarecer. Em Jacinópolis o Deputado Padre Ton pediu intervenção federal e atualmente tem um grupo da Força Nacional que permanece no local.

A impunidade predomina. O próprio Drº Gercino Filho, Desembargador, Ouvidor Agrário e Presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, afirma que de 2001 para cá 70 homicídios seguem sem esclarecer em Rondônia.  Ele conseguiu a apreensão das armas e do suspeito de balear dois agricultores do Acampamento Barro Branco em Chupingáia, na fazenda do poderoso Ilário Bodanese. Enquanto que os irmãos Gilson e Cristiano de Oliveira Sá, presos depois de atirar em duas lideranças de sem terra em Seringueiras, continuam soltos e aterrorizando o pessoal.

Muitos conflitos envolvem nomes de poderosos políticos de Rondônia. Em Vilhena o povo teme citar o envolvimento do poderoso clan Donadon. Agricultores em Extrema estão ameaçados de despejo a pedido dos irmãos Cahula. Jagunços armados junto com policiais foram fotografados na gleba do Rio das Garças, perto da antiga Fazenda do Beron. Jagunços do Mato Grosso queimaram um acampamento em Jaci Paraná, reivindicado primeiro pelo ex delegado e pecuarista João do Vale, no Morro Vermelho. Agora em setembro terminaram o trabalho, dizendo-se agora dono do lugar Valdemar Araújo, irmão do deputado Valter Araújo, presidente da Assembléia Legislativa de Rondônia. Na maioria destes lugares, as lideranças foram ameaçadas e foram obrigadas a fugir, desistindo da posse das terras,  sob grave risco de vida.

Nas comunidades tradicionais muitos processos territoriais estão parados. Apesar do MPF de Rondônia tem conseguido algumas vitórias: Como a sentença federal para que seja ampliada a Terra Indígena dos Kaxarari. Os processos de criação pela FUNAI de diversos Grupos de Trabalho da Terras Indígenas miqueleno, puruborá, wuajuru, cojubim... Por parte dos quilombolas, depois dum período de bom trabalho no INCRA, a saída do único antropólogo da entidade, resultou em nova paralisia. Depois da titulação apenas da Comunidade de Jesus o ano passado, um acordo entre a comunidade da Santo Antônio do Guaporé junto ao ICMBO, para desmembrar arredor de 7.000 há. da Rebiu do Guaporé é o avanço mais notável. Na comunidade do Forte Príncipe da Beira continua o conflito com o Exército. Os quilombolas têm achado no Procurador do MPF de Ji Paraná, Dr. Daniel Fontenele, um ótimo aliado. Já a comunidade de Laranjeiras pleiteia o desmembramento do Parque Estadual de Corumbiara, o qual está em processo o repasse das terras da união para o Estado. E a comunidade de Santa Cruz, em Pimenteiras, ainda procura o reconhecimento da Fundação Palmares.

O Terra Legal acaba de anunciar a retomada de terras públicas nas maiores áreas de floresta da Amazônia, porém eles mesmos reconhecem que é mais difícil a retomada nas áreas “produtivas”, apesar do programa impedir legalizar áreas superiores a 2.500 h. Isto provoca a divisão das fazendas, com a inscrição de laranjas, separações matrimoniais e boas oportunidades para os aproveitadores. O Terra Legal está legalizando as grilagens de terras dos últimos anos, o resultado de anos de neoliberalismo fundiário. Para solucionar os conflitos na Ponta de Abuná foi enviado o Terra Legal fazer o cadastro.

A pergunta é: O Terra Legal é a solução ou é o problema? O INCRA reconhece que não está criando mais assentamentos de reforma agrária, tocando apenas o Terra Legal, que já terminou o cadastro em Rondônia, enquanto devagar realiza por empresas contratadas o georeferenciamento, e apenas uma mixaria foi titulada. Claro que sempre o que conta, seja para a justiça, seja para o programa, é quem está na posse da terra. Daí que continua a correria para se apossar as terras do jeito que for...

O Terra Legal é um engodo, opina o nosso companheiro Afonso. Ele escreveu (ver no blog da CPT RO de 13/09/11):  Até a MP 458, sancionada por Lula, havia critérios rígidos para concessão e alienação, via licitação de terras públicas à particulares. Não há mais, este foi o acordo, tão celebrado pela bancada ruralista. É a maior prática “ilegal” na Amazônia legal, marcando um dos últimos capítulos de absoluta inércia do Estado brasileiro frente ao dramático problema fundiário brasileiro. Ao INCRA sucateado e sem recursos, caberá a gestão de alguns setores. Ao Programa Terra Legal, toda esta aparência de legalidade servirá para legitimar a “farra com os bens públicos”. Não há notícias de terras desapropriadas na Amazônia, para programas de reforma agrária, de criação de Projetos de Assentamento. Há notícias sim, celebradas, da legalização das terras para mercado e notícias, estas sempre, de conflitos sociais, de violência, morte e impunidade contra trabalhadores e lideranças rurais sem terra”.

Josep Iborra Plans, zezinho
da coordenação colegiada da CPT Rondônia

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